MAS QUEM DISSE QUE A ROTINA LIVRA O FIM DE SEMANA?
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sexta-feira, 19 de outubro de 2007

A arte de colocar defeito

Ele parecia legal. Era bonito, simpático, brincalhão e espirituoso. Era no mínimo interessante o suficiente para que ela se interessasse. Mas de repente o Monet vira Picasso e o sonho se torna pesadelo; graças à mania que ela tinha de analisar tudo e todos de maneira obsessiva e perfeccionista. Bastou para isso apenas “conhecê-lo melhor”, no sentido clichê e não-literal da expressão. Poucas vezes já foram suficientes para ela transformar o príncipe em sapo. E tudo partiu apenas de seus pensamentos incessantemente paranóicos e tortuosos. De uma hora pra outra, sem motivo aparente, tudo que era encantador nele passou a ser enfadonho e enjoativo. Aquele rosto já não tinha a mesma simetria perfeita de antes e o corpo já não tinha o mesmo talho davinciano. O sorriso que ele dava quando a via já não era mais percebido por ela como um gesto de alegria que ele sentia só pelo fato de ela estar ali, mas como uma simpatia política e forçada ou um impessoal e educado cumprimento. O fato de ele não conhecer as musicas que ela ouvia e amava e de não ler os mesmos livros, tinha agora uma relevância absurda; o que a aborrecia profundamente. As tiradas inteligentes e o jeito desencanado de ele ver a vida a irritavam como se, de repente, ele tivesse se tornado pedante e alienado. O bom-humor dele agora lhe parecia sem graça e as brincadeiras, de insuportavel mau-gosto. O fato de eles não gostarem das mesmas coisas e o fato de ele não perguntar sobre o dia dela, lhe parecia que ele apenas a via como alguém que satisfazia os desejos dele e não como um ser sagrado, como toda mulher amada deveria ser vista. Se ele por acaso a perguntasse ela já nem veria como uma demonstração de interesse sincero pelo que ela fazia... não... ela preferia ver nisso uma forma implícita de ele cobrar coisas que ela odiava dar: satisfação e explicação. Se ele dizia que ela era linda ou inteligente ou ainda diferente das outras meninas, ela se perguntava se isso era o que ele sentia ou se eram apenas artifícios que um homem pode utilizar para fazer uma mulher de otária. Chegou ao ponto de ela questionar de forma incessante e cansativa por quais motivos ele gostava dela, se é que gostava... e tudo que ela conseguia era chegar a conclusão precipitada e reacionária de que ele não gostava e só estava interessado em satisfazer as vontades dos 20 e poucos anos. O jeito que ele a abraçava parecia não ser mais o jeito que ela queria e o modo como ele demonstrava que se importava com a vontade dela era agora visto por ela como uma insegurança e medo de levar um fora. Ela olhava pra ele e já não se perguntava o quão sortuda era, ela preferia se perguntar “o que estou fazendo?”. As fotos dele que ela costumava guardar e olhar, agora não passavam de papéis rasgados jogados no lixo. Chegou o dia em que ela vergonhosamente se envergonhou de tê-lo ao seu lado; chegou o dia em que ela admitiu que só gostava dele quando não o tinha, pois não o conhecia e admirava-o pelas suas próprias idéias e concepções; chegou o dia em que ela disse uma besteira qualquer para fazê-lo ir embora porque não tomaria a atitude de parar de pensar dessa maneira estúpida, ela não deu tempo a si mesma; chegou o dia em que ela o decepcionou; chegou o dia em que ninguém jamais seria bom o bastante pra ela porque na verdade nem ela era boa o bastante pra si mesma e ela iria sempre preferir moldar a realidade no seu próprio mundinho particular e estranho ao invés de sair por aí e perder a atitude defensiva que a salvara de uma vida plena de alegrias e sofrimentos, decepções e surpresas. Ela realmente não queria ninguém perfeito, mas queria alguém perfeito pra ela, ainda que cheio de defeitos (que só ela deveria conhecer). A verdade é que talvez ele nem exista porque ele teria de ser igual a ela, mas como, se nem ela era boa o bastante pra si? Como vai existir afinal alguém que seja bom o bastante pra ela? No final das contas, por um motivo ou por outro, ela sempre acaba por ficar só. Foi nesse estágio que ela fugiu, dando uma desculpa qualquer e descabida e saiu a francesa. Ela tentava justificar isso como sendo um medo da rejeição. O medo de se entregar aos próprios sentimentos e perder o controle. Ou o simples fato de figuras masculinas não lhe inspirarem respeito e admiração imediatos, de forma automática. Ela colocava a culpa disso no fato de ter sido criada só pela mãe, e na premissa de que jamais amaria alguém como ela a ama e que jamais amou alguém de verdade, apenas se apaixonou. A um certo tempo tudo que se quer é ter alguém. Ela chegou a esse tempo, mas preferiu não se deixar viver isso. Ela está sempre colocando defeito em tudo e em todos, porque assim, pode continuar no seu falso pedestal a salvo da própria vida. Colocar defeito é uma arte e ela era perita nisso.

Um comentário:

Anônimo disse...

"O fato de eles não gostarem das mesmas coisas e o fato de ele não perguntar sobre o meu dia dela, lhe parecia que ele apenas a via como alguém que satisfazia os desejos dele e não como um ser sagrado, como toda mulher amada deveria ser vista."
Eu já vi isso antes. chega mais fia, qualquer idealização é melhor que um amor de verdade. O amor real não é perfeito, ele existe. No que ele existe, vc convive, e se vc convive vc vai ter atrito.Vai dizer que vc NUNCA se aborreceu com a sua mãe?!O ideal não. O cara que a gente imagina pra gente nunca fica de barba feia.Ela ta sempre no ponto pra o sorriso malicioso dele ficar no jeito de te fazer perder a hora.Ninguém imagina Principe encantado com cc né?
Aliás,principe encantado n existir é uma das coisitchas que quase fazem a vida em sociedade valer a pena.
Quando eu for rica por roubar um projeto de um software novo e vender p uma megaempresa e eu ficar milionária, vou ligeiro demais me mudar pra um lugar que n tenha mta gente. Vou pra Vanuatu!
Agora relaxa.Nas palavras sábias do Mamonas Assassinas "mais vale um na mão do que dois no sutiã"

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